Brasil: ponte entre a Europa e o Sul Global

Brazil’s President Luiz Inacio Lula da Silva attends the sanctioning of a bill at the Planalto Palace in Brasilia, Brazil, on November 6, 2024, after congratulating President-elect Donald Trump on his victory as president of the United States. (Photo by Ton Molina/NurPhoto)
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa da sanção de um projeto de lei no Palácio do Planalto, em Brasília, Brasil, no dia 6 de novembro de 2024
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Resumen

  • Os europeus muitas vezes interpretam mal o Brasil, seja assumindo que ele deveria ser um apoiador ávido de todas as iniciativas ocidentais ou acreditando que ele já se alinhou a um bloco antiocidental liderado pela China e pela Rússia. Ambas as suposições estão erradas.
  • Na realidade, o Brasil aprecia viver em um “mundo à la carte”, posicionando-se como uma potência média importante em um cenário multipolar, como evidenciado por sua participação no G20 e no BRICS, além de seu papel regional dominante.
  • No entanto, a crescente competição geopolítica entre os EUA e a China, juntamente com uma Rússia cada vez mais hostil, está estreitando o espaço para o não alinhamento do Brasil. A reeleição de Donald Trump só complicará ainda mais a questão.
  • A política externa do Brasil, que historicamente exibiu um forte senso de continuidade, também é cada vez mais influenciada pela polarização política interna.
  • A Europa tem motivos fortes para se posicionar como parceira primordial do Brasil nas próximas décadas, especialmente dado seu interesse comum em promover a cooperação multilateral em nível global. Mas primeiro ela deve respeitar as necessidades e aspirações do Brasil.

Introdução

Os europeus estão à procura de amigos. À medida que a ordem mundial se fragmenta e se reordena em meio às crescentes tensões entre EUA e China, à ascensão de «potências médias» assertivas e ao crescente ceticismo em relação ao sistema internacional baseado em regras, a Europa se encontra cada vez mais isolada no sul global. Para garantir sua posição e evitar ser arrastada para uma nova dinâmica de guerra fria entre Washington e Pequim (que provavelmente será exacerbada pela reeleição de Donald Trump para a Casa Branca), a Europa deve equilibrar sua forte aliança transatlântica com a construção de novas parcerias com potências emergentes, particularmente aquelas que estão moldando essa nova realidade.

Os legisladores europeus estão cientes disso. Nos últimos dois anos, a União Europeia tem empenhado esforços de divulgação visando diversificar as relações e dependências da União Europeia em uma série de tópicos, como clima, energia e tecnologia. Como parte desses esforços, a região da América Latina e do Caribe, região historicamente subestimada pela UE, ganhou evidência. O Brasil se destaca como principal candidato para uma cooperação aprimorada, por ser a maior economia e, sem dúvida, a única real potência média na região, tendo tanto a ambição quanto a capacidade de influenciar a ordem mundial.

No entanto, a relação UE-Brasil enfrenta desafios consideráveis. Apesar de ser o principal investidor do país e o segundo maior parceiro comercial, a UE tem se desapontado com as escolhas de política externa do Brasil, particularmente sua presença no BRICS e sua diplomacia de paz na Ucrânia. Em vez de um parceiro totalmente alinhado com sua visão de ordem mundial, a UE frequentemente encontra no Brasil uma potência média que desafia o multilateralismo centrado no Ocidente, favorece a multipolaridade e – como muitos países da região – adota um posicionamento estratégico ambíguo entre os Estados Unidos e a China para promover seus interesses e autonomia.

Participação no estoque de IED no Brasil, em 2022.

O Brasil, por sua vez, expressou frustração com o que percebe como o Ocidente adotando dois pesos e duas medidas em conflitos como Gaza e Ucrânia, ou a resposta introspectiva da UE à pandemia de covid-19 e ao fornecimento de vacinas. Outros fatores irritantes incluem a aplicação extraterritorial da legislação da UE, como o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM) e as leis de desmatamento, além da dificuldade em alcançar uma reaproximação importante, como demonstrado pelas prolongadas negociações UE-Mercosul.

Para superar isso, a Europa deve ir além da retórica e da acusação, superar percepções errôneas, entender as razões mais profundas por trás das posições brasileiras na política externa e comunicar efetivamente seus posicionamentos aos interlocutores brasileiros. A UE e o Brasil não podem, individualmente, mudar a ordem mundial, mas, ao identificar áreas de colaboração e reorganização, podem trabalhar juntos de forma mais eficiente e inclusiva.

Este artigo visa apoiar tais esforços desvendando a visão do Brasil sobre a ordem mundial, explorando os elementos duradouros e em evolução de sua política externa, os mecanismos que usa para projetar sua influência e alguns dos desafios e contradições inerentes à sua abordagem. Por fim, este artigo descreve maneiras pelas quais a UE e o Brasil poderiam identificar interesses comuns nos quais trabalhar juntos, e defende que a Europa se beneficiaria mais cultivando uma parceria estratégica em vez de buscar uma parceria perfeitamente alinhada. Se a Europa quiser dançar com o Brasil, precisará aprender a sambar. 

Este artigo foi escrito por três autores europeus. Por meio de entrevistas com os principais especialistas, diplomatas e formuladores de políticas do Brasil e de outros países latino-americanos, buscamos entender melhor e destrinchar a abordagem brasileira à ordem mundial. O artigo reflete, para o bem ou para o mal, uma perspectiva europeia sobre os objetivos e visões do Brasil. Ainda assim, acreditamos que possa servir como uma contribuição valiosa para o debate. Afinal, nosso objetivo é desafiar e inspirar o pensamento europeu sobre o papel global do Brasil - que acreditamos muitas vezes estar baseado em simplificações e equívocos. Mas também gostaríamos de mostrar aos brasileiros como eles são percebidos à distância. Ao fazer isso, esperamos provocar ambos os lados a uma troca franca sobre percepções e equívocos. Superar isso é essencial para uma parceria construtiva.

Continuidade e mudança na abordagem global do Brasil

O cenário político da América Latina frequentemente exibe comportamento de pêndulo, oscilando entre ideologias de esquerda e direita. Embora esse fenômeno seja comum em sistemas democráticos, nessa região ele frequentemente leva a mudanças pronunciadas na política externa.

Isso se deve em parte à intensa polarização política, que fomenta rupturas entre governos, bem como ao impacto descomunal das preferências presidenciais em assuntos internacionais, particularmente em países com burocracias mais fracas. Consequentemente, a política externa na região tende a ser errática, minando iniciativas diplomáticas de longo prazo e dificultando o progresso em direção a uma integração regional mais profunda.

No entanto, um punhado de países na região tende a mostrar notável continuidade em suas relações internacionais, incluindo o Brasil. Isso pode parecer surpreendente, dada a história recente do país, com o forte contraste entre a postura nacionalista e pró-Trump do ex-presidente Jair Bolsonaro e a política do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de retorno ao multilateralismo, juntamente com uma visão mais crítica das posições ocidentais e maior simpatia pela China.

É verdade que a posição ultraconservadora, nativista e “antiglobalista” de Bolsonaro representou uma mudança profunda na política externa do Brasil. Desconfiado de um sistema internacional visto como dominado pelo “arco ideológico globalista”, Bolsonaro preferiu uma abordagem isolacionista, priorizando interesses nacionais em detrimento da cooperação internacional (por exemplo, no clima), com apenas um número limitado de parcerias com outros “conservadores” como Trump. Isso marcou um afastamento significativo da consolidada política externa brasileira que historicamente enfatizou o engajamento multilateral pragmático e proativo, a projeção internacional e as relações diplomáticas com uma ampla gama de países.

No entanto, de muitas maneiras, essa mudança dramática na narrativa é um caso atípico, um ponto fora da curva sem precedentes desde a redemocratização do Brasil na década de 1980, ressaltando a existência de uma tradição de política externa bem estabelecida e identificável da qual ela divergiu. Além disso, mesmo durante o governo Bolsonaro, vários elementos de continuidade persistiram na prática. Por exemplo, os laços econômicos do Brasil com a China, um suposto globalista que ele difamou, permaneceram robustos - na verdade, o comércio com Pequim aumentou durante seu mandato.

Exportações Anuais do Brasil.

Apesar da variedade de retóricas ideológicas de presidentes como Lula, Fernando Henrique Cardoso e até Bolsonaro, alguns elementos centrais da política externa brasileira perduram com diferenças relativas a grau de ênfase e não a mudanças de direção. Isso também é visto nos padrões de votação relativamente estáveis do Brasil na ONU, particularmente evidentes no contexto da invasão da Ucrânia pela Rússia. O Brasil tende a apoiar o direito internacional e condenar suas violações, mas, simultaneamente, rejeita a interferência de grandes potências nos assuntos internos de outros países, inclusive quando feito por meio do uso de sanções econômicas como instrumento de pressão.

Abaixo, este artigo descreve três condutores da política externa brasileira: o esforço do país para permanecer autônomo em relação aos principais centros de poder; sua busca por desempenhar um papel de grande potência; e seu compromisso qualificado com o multilateralismo.

Posicionamento estratégico e não alinhamento ativo

O Brasil tem uma longa história de busca por independência e autonomia em sua política externa, com breves períodos de alinhamento aos EUA. De modo geral, o Brasil busca contrabalançar a influência dos EUA no hemisfério ocidental mantendo flexibilidade em suas relações internacionais. Essa estratégia é justificada pelos limitados ganhos políticos e econômicos derivados de alinhamentos anteriores com os EUA (comparados aos benefícios significativos experimentados por outras potências médias, como a Coreia do Sul). O contexto geopolítico estável do Brasil lhe permitiu manter um alto nível de independência com relação a Washington, inclusive em assuntos de segurança.

Sob o governo Lula, em particular, o Brasil abraça abertamente uma ordem global pós-EUA, com estes assumindo um papel diferente que não seja o de liderar o mundo.

Assim como acontece com outras potências médias, o Brasil vê a multipolaridade como uma oportunidade para aumentar sua influência em instituições internacionais e exercer maior influência global. Resistindo a alinhar-se com os EUA ou com a China, no que Lula chama de "mentalidade da Guerra Fria", o Brasil, como muitas outras potências médias, estrategicamente se posiciona entre os dois, capitalizando as oportunidades criadas pela competição entre eles - oportunidades que não estavam disponíveis durante a era de domínio dos EUA. O Brasil parece gostar de viver em um "mundo à la carte", embora isso às vezes exija administrar sua posição, como quando, recentemente, sinalizou que não se juntaria à iniciativa Belt and Road (BRI) da China.

À semelhança de outros países latino-americanos, como Chile e Argentina, o Brasil alavanca investimentos, projetos de infraestrutura e acordos comerciais com ambas as superpotências. Em contraste, países como México ou Colômbia têm menos espaço de manobra devido à sua profunda dependência econômica, geográfica ou de segurança dos EUA, tornando-os mais limitados no aproveitamento dessa competição. Essa estratégia de hedge (posicionamento) também permite que o Brasil se prepare para diversos potênciais cenários decorrentes da rivalidade EUA-China, uma reminiscência de sua abordagem durante a segunda guerra mundial, quando manteve a neutralidade entre a Alemanha nazista e os Aliados até que as circunstâncias tornaram o alinhamento com os Aliados mais benéfico para seus interesses nacionais.

A evolução do papel do Brasil no cenário mundial

O Brasil sob Lula usa a abordagem de “não alinhamento ativo”, ou “lógica da autonomia”, como alguns acadêmicos latino-americanos a descrevem, para tentar se posicionar como um ator autônomo e um mediador em disputas internacionais, notadamente, a guerra na Ucrânia e as tensões na Venezuela (com sucesso limitado, como este artigo explora mais adiante). Como parte disso, o Brasil de Lula frequentemente busca atuar como um intermediário ou ponte entre o Ocidente e o sul global, sendo um raro exemplar de grande país que pode se apresentar como fazendo parte de ambos. De fato, apesar de seu distanciamento do Ocidente sob Lula, os fortes laços econômicos do Brasil com os países ocidentais, o envolvimento em grupos liderados pelo Ocidente como o G20 e seu status como uma das maiores democracias liberais do mundo, fortalecem a percepção do sul global sobre sua posição no Ocidente. Este papel como intermediário ou ponte é uma parte fundamental da estratégia do Brasil para projetar poder e influência no cenário global, uma ambição de longa data da sua política externa.

No entanto, dentro dessa continuidade, há diferenças notáveis entre os governos brasileiros em relação a como eles percebem o escopo do papel internacional do Brasil. Enquanto sucessivos governos concordam sobre o potencial do Brasil como um grande ator internacional, eles diferem no grau de engajamento em assuntos globais. Por exemplo, o Brasil do presidente Fernando Henrique Cardoso concentrou seus esforços diplomáticos na estabilidade regional e na proteção de seus interesses contra grandes potências. Cardoso enfatizou uma política externa mais cautelosa e comedida que visava exercer influência sem sobrecarregar seus recursos, vendo a integração como uma forma de construir a autonomia do país.

Por outro lado, Lula vê o Brasil como mais do que apenas uma potência média; ele o vê como uma “grande nação”, uma grande potência global emergente que merece ter uma voz maior em instituições internacionais e abordar ativamente as questões globais mais críticas - da não proliferação à ação climática - como fica evidente em suas intervenções de 2023 e 2024 na Assembleia Geral das Nações Unidas. Em vez de simplesmente participar de estruturas multilaterais para salvaguardar os interesses do Brasil das outras grandes potências, Lula visa remodelar essas instituições e construir coalizões que possam desafiar o domínio ocidental, consolidando o Brasil como um dos arquitetos da nova governança global.

Ainda assim, essa abordagem não conta com apoio irrestrito no Brasil, onde muitos, especialmente os oponentes conservadores de Lula, a consideram um exagero perigoso.

Compromisso com o (e críticas ao) multilateralismo

O Brasil é uma potência não nuclear com limitada capacidade militar e uma posição geográfica relativamente segura, livre de ameaças significativas à segurança externa. Como tal, e desde antes da ditadura militar, sua abordagem às relações internacionais tem enfatizado a diplomacia sobre a força militar. Sua política externa, especialmente durante os períodos democráticos, tem sido caracterizada por uma preferência pela resolução pacífica de conflitos.

Exceções ocorreram durante a ditadura militar (1964-1985), quando o Brasil adotou uma abordagem mais assertiva e militarista, incluindo um programa secreto de armas nucleares (embora nunca tenha cometido nenhum ato de agressão externa naquele período). Assim, a diplomacia sobre a força militar geralmente prevaleceu. Isso é evidenciado hoje pela participação do Brasil em missões de manutenção da paz, contribuindo para 50 operações de manutenção da paz da ONU desde 1947, com 57.700 militares e civis envolvidos.

Sem poderio militar, o Brasil aproveitou instituições, normas e coalizões internacionais para exercer influência e promover seus interesses no cenário global, levando o país a defender o multilateralismo como fundamento de sua política externa. Assim como a Europa, o Brasil depende de um sistema comercial que funcione bem, com seu modelo econômico profundamente interligado à economia global. Interrupções no comércio - como políticas protecionistas ou colapsos em acordos comerciais multilaterais - representam ameaças significativas ao seu desenvolvimento nacional. Esta é uma prioridade absoluta os governos   brasileiros e um importante impulsionador da política externa, já que o crescimento econômico de longo prazo está consagrado no Artigo 4o da constituição brasileira.

Mas de forma alguma sua dependência do multilateralismo faz do Brasil um defensor incondicional do sistema. De fato, o Brasil frequentemente fica frustrado com a natureza não representativa dessas instituições - Lula recentemente apelidou a atual composição do Conselho de Segurança da ONU (CSNU) de "legado do colonialismo" - e há muito tempo pede sua reforma. Especificamente, o Brasil defende mais representação dos países do sul global em instituições de governança global, um sistema de cotas mais equilibrado que alinhe o poder de voto com as contribuições reais e o peso econômico dos mercados emergentes, práticas de comércio justo e acesso equitativo à tecnologia e aos recursos, tudo visando promover condições equitativas para as nações em desenvolvimento.

Em particular, uma das prioridades mais constantes da política externa do Brasil é sua candidatura a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, como parte da coalizão G4 ao lado da Alemanha, Índia e Japão. Embora tenha apoio retórico de alguns europeus (incluindo Alemanha, França e Reino Unido), falta-lhe o apoio crucial dos EUA - cujos representantes sugeriram recentemente que a Alemanha, a Índia e o Japão deveriam obter um assento, omitindo notavelmente o Brasil.

Fontes internas de continuidade

A continuidade da política externa do Brasil pode ser parcialmente atribuída ao próprio “Estado profundo” (deep state) do país: seu ministério das relações exteriores, conhecido como Itamaraty. Reconhecido por seu profissionalismo, espírito de corpo e capacidade de incutir visão e perspectiva de longo prazo na política externa brasileira, o Itamaraty fornece uma estrutura burocrática robusta capaz de resistir a flutuações na política doméstica e mudanças nas preferências ideológicas presidenciais. Com mais de 200 embaixadas, consulados e missões permanentes em todo o mundo, com aproximadamente 1.500 diplomatas, o Itamaraty está entre as 10 maiores potências diplomáticas do mundo. Isso posiciona o Brasil como um dos países com maior alcance diplomático no sul global, ao lado da Turquia e da Índia.

Outra fonte de continuidade da política externa são os principais grupos de interesse dentro do Brasil, que exercem uma influência estabilizadora - embora às vezes frustrante - nas negociações internacionais do Brasil.

O setor do agronegócio, apesar das inclinações ideológicas mais conservadoras de seus membros, tem um interesse econômico focado em manter fortes relações comerciais com a China, por exemplo. Essa lição foi aprendida pelo ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo, que enfrentou uma reação significativa por sua postura anti-China. O próprio Bolsonaro teve que recuar em sua posição com relação à China, depois de viajar para Taiwan como candidato presidencial e espelhar a retórica anti-China de Donald Trump.

E, ao mesmo tempo em que Lula tenta divergir das políticas climáticas de seu antecessor, ele também está aprendendo suas próprias lições amargas. Seus esforços para reafirmar o compromisso do Brasil com o combate às mudanças climáticas podem ser limitados pelos poderosos setores do agronegócio, mineração e petróleo, que Lula não pode se dar ao luxo de ignorar, dados seus laços com o congresso dominado pela oposição.

Vetores da influência global do Brasil

Ao buscar impactar os assuntos globais, os países contam com uma variedade de recursos além da força econômica ou militar. Eles também se valem de ativos mais brandos, como a filiação a várias redes e organizações, capacidade de desempenhar um papel de liderança e credibilidade para discutir tópicos específicos. Embora nem todos os países aspirem a moldar os assuntos mundiais, aqueles que o fazem geralmente precisam lidar com suas fragilidades. Para compensar, eles alavancam seus pontos fortes para servir de veículos de influência global.

O Brasil não é exceção. Ele tem várias características de uma grande potência. É o quinto maior país do mundo em área, o sétimo maior em população e o oitavo maior em PIB - atrás apenas dos EUA, China, Alemanha, Japão, Índia, Reino Unido e França. Seus diplomatas e comentaristas tendem a chamar o Brasil de potência continental, ou um “país monstro” (“monster country”, em referência ao conceito de George Kennan, que também dé usado para descrever os EUA, China, Índia e Rússia). Isso lhes permite argumentar que os interesses do Brasil vão além de meramente atingir um certo resultado e abrangem sua influência na forma como os assuntos globais são tratados.

Mas o Brasil também tem grandes fragilidades. Tem apenas o 14º maior orçamento militar, ficando atrás da Itália e logo à frente do Canadá. Sua insignificância militar representa um dos obstáculos para convencer outras nações de que merece um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Geograficamente, o Brasil precisa lidar com viver à sombra dos EU, e, embora esse fator seja menos avassalador do que para o México, ele ainda assim é relevante. A Doutrina Monroe de 1823, que  estabeleceu a hegemonia de Washington no hemisfério ocidental, continua a afetar as relações internacionais nas Américas - mesmo que a influência regional dos Estados Unidos esteja atualmente muito mais fraca do que há dois séculos ou mesmo há apenas três décadas. Na prática, isso significa que a capacidade do Brasil de construir coalizões na América Latina e se afirmar como líder regional está seriamente limitada, pois alguns de seus vizinhos ainda dependem dos EUA para sua segurança e prosperidade.

Diante desses desafios, o Brasil tende a alavancar quatro ativos principais ao buscar aumentar sua influência global: sua credibilidade em questões setoriais específicas (como clima, pobreza e manutenção da paz); sua filiação ao G20; seu papel de membro fundador no BRICS; e sua influência regional.

Clima, pobreza, e manutenção da paz

O foco do Brasil frequentemente se concentra em questões onde o país pode aproveitar a credibilidade e reconhecimento que conquistou, como o combate às mudanças climáticas, à pobreza e à fome — grandes desafios de desenvolvimento que também foram as prioridades de sua presidência do G20 em 2024. Como grande produtor agroalimentar e guardião da Amazônia, o Brasil atualmente vê a preservação ambiental e a sustentabilidade como essenciais em sua política internacional.

O país também tenta cada vez mais desempenhar um papel construtivo na resolução de conflitos internacionais, aproveitando sua não filiação a nenhuma aliança militar e sua força diplomática. Sob os governos anteriores de Lula (2003-2010), fez parte de uma iniciativa sobre o programa nuclear iraniano. Também enviou missões de paz para a África lusófona e liderou o componente militar de uma missão de paz apoiada pela ONU no Haiti. (No entanto, a última experiência é lembrada no Brasil como um desastre, pois não apenas falhou em proteger a nação caribenha, mas também contribuiu para a militarização do governo sob Bolsonaro. Isso ajuda a explicar a atual relutância de Lula em contribuir para uma nova missão no Haiti).

Desde o retorno de Lula ao poder em janeiro de 2023, o Brasil reafirmou seu desejo de servir como um intermediário dedicado capaz de contribuir para a resolução de conflitos em todo o mundo. Logo após assumir o cargo, Lula enfatizou a necessidade de negociar a paz na Ucrânia, sugerindo a criação de um “G20 pela paz”. Em maio deste ano, o Brasil e a China apresentaram uma proposta conjunta para negociações de paz. Embora o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky tenha inicialmente criticado esse plano como “destrutivo”, e a UE o tenha rejeitado porque não exigia que a Rússia respeitasse o direito internacional, o plano, no entanto, exibe a consistente ambição do Brasil de desempenhar um papel importante no fim dessa guerra. No mês seguinte, o Brasil divergiu das nações ocidentais quando se recusou a assinar um comunicado após a cúpula de 2024 sobre a paz na Ucrânia realizada na Suíça, argumentando que a Rússia não havia sido convidada a participar.

Lula também tem sido vocal na guerra em Gaza, criticando abertamente Israel e distanciando-se nitidamente de visões mantidas em grande parte do Ocidente (e de seu antecessor, que continua a exibir uma forte posição pró-Israel como ex-presidente, por exemplo, exibindo a bandeira israelense em comícios). Isso é consistente com a abordagem histórica de Lula ao Oriente Médio e está de muitas maneiras em consonância com a Carta da ONU - demonstrando, mais uma vez, o apego do Brasil aos princípios básicos do direito internacional, mesmo que a posição histórica pró-Palestina do Partido dos Trabalhadores também ajude a explicar a atenção que Lula dedica a esse conflito geograficamente distante.

G20

O estabelecimento deste grupo na esteira da crise econômica global de 2008 claramente desempenhou um papel importante na elevação do Brasil a um status de potência em ascensão, particularmente porque não é membro do G7. Da perspectiva do Brasil, o G20 não é apenas um fórum que lhe permite estar à mesa de negociações - é também um fórum onde se sente muito à vontade, graças à inclusão de países desenvolvidos e em desenvolvimento, e representando todas as regiões do mundo. Tal estrutura permite que o Brasil esteja no centro, alavancando sua identidade única como um país ocidental e do sul global. Como tal, o Brasil pode se posicionar como um ator intermediário, liderando os esforços para abordar uma crescente desconexão entre potências emergentes e instituições globais existentes.

Portanto, o governo brasileiro dedicou recursos e atenção significativos à sua primeira presidência do G20, vendo a cúpula dos líderes em novembro no Rio de Janeiro como um momento crucial (junto com a conferência climática COP30 em Belém em 2025) para aumentar a proeminência global do país e reafirmar seu status de poder. À luz das críticas sobre a relevância decrescente do G20 (por exemplo, durante a pandemia de covid-19), o Brasil propôs uma agenda pragmática com o objetivo de restaurar a credibilidade do grupo como fórum capaz de abordar os principais problemas globais, como mudanças climáticas e pobreza.

Em nossas conversas [1], especialistas e diplomatas brasileiros apresentaram o G20 como uma instituição paralela à ONU, por meio da qual acordos poderiam abrir caminho para mudanças em instituições internacionais maiores. Eles também o consideraram uma plataforma essencial para discussões sobre governança global, beneficiando-se de um tamanho menor do que a ONU, o que permite negociações mais simplificadas e gera impulso para conversas mais amplas. Informalmente, alguns desses especialistas falaram em mudar o sistema “de dentro do sistema, mas não de dentro de suas instituições”. O que eles querem dizer é que, embora a governança global de hoje possa ser reformada, em vez de refeita do zero, não se deve esperar que um impulso reformista venha de dentro de instituições como o FMI, a Organização Mundial do Comércio ou o próprio Banco Mundial.

Neste contexto, o G20 é visto como um raro exemplo de fórum mais restrito que representa todos os principais centros de poder do mundo de hoje, incluindo os EUA e a China.

O BRICS e o sul global

O BRICS serve a um propósito diferente em comparação ao G20. Como um dos nossos interlocutores observou, "a vida não é fácil para ninguém dentro deste clube". É óbvio que existem grandes diferenças entre seus membros originais, particularmente entre China e Índia. Além disso, da perspectiva do Brasil, a ampliação em andamento do BRICS - uma iniciativa que o Brasil tentou desviar porque dilui a identidade do grupo e o peso do Brasil dentro dele - representa desafios para sua própria agenda. Da perspectiva do Brasil, a expansão faz o grupo perder sua característica definidora - um fórum exclusivo para os países mais poderosos do sul global. Reduz o peso relativo das Américas na composição - especialmente após a rejeição da Argentina à adesão sob seu novo presidente. Coloca os países democráticos em minoria enquanto traz mais autocracias, como a Arábia Saudita (que está hesitando em se juntar, para não antagonizar os EUA) e o Irã, além de alguns dos maiores poluidores do ar do mundo. E corre o risco de se tornar um clube liderado pela China. Por essas razões, o Brasil ajudou a criar uma categoria de membros chamada “parceiros do BRICS”, que agora compreende 10 países, incluindo Cuba, Bolívia e Turquia, tendo este último o apoio do Brasil para se tornar um membro pleno.

Apesar dessas preocupações, seria prematuro concluir que o BRICS está perdendo sua utilidade para o Brasil. Para começar, o BRICS já trouxe benefícios políticos tangíveis:por exemplo, ele concedeu ao governo brasileiro acesso privilegiado e de alto nível à liderança chinesa. Graças ao BRICS, o Brasil também aumentou seu prestígio dentro do sul global, fomentando relações mais próximas com países da África, Oriente Médio e Ásia.

O BRICS é particularmente querido pelo atual governo. Não só foi estabelecido durante a presidência anterior de Lula, mas também se tornou, de certa forma, um sucessor de sua própria iniciativa de construir relações mais próximas entre a Índia, o Brasil e a África do Sul (o chamado fórum IBAS). Ainda assim, a importância do BRICS para o Brasil vai muito além de vínculos pessoais. Notavelmente, até Jair Bolsonaro reconheceu a importância do grupo, em outra demonstração de continuidade na política externa do Brasil.

Como um país que aspira reformar a ordem mundial, o Brasil pode ver o BRICS como um fórum útil para coordenar esforços com países não ocidentais. Afinal, de acordo com um de nossos interlocutores, “o BRICS não é um grupo de países que supostamente concordam em tudo. Mas eles, pelo menos, concordam em uma coisa: que a atual ordem mundial é injusta”.

A América do Sul

Um último vetor da influência global do Brasil está relacionado à sua liderança regional - uma dimensão de projeção de poder cuja importância parece ter sido subestimada até recentemente. Apesar de sua ambição de ser um player global, historicamente, o Brasil tem sido relutante em arcar com os custos de representar a sua região.

Quadro comparativo entre os maiores países da América Latina

Geografia e política representam, sem dúvida, duas barreiras potentes à integração nesta região. A floresta amazônica, várias cadeias de montanhas e diversas zonas climáticas tornam muito difícil conectar as infraestrutura entre os países da América do Sul - em comparação com a Europa ou o sudeste da Ásia, por exemplo. O Brasil é a exceção de língua portuguesa em um continente dominado por países de língua espanhola; também é um gigante - geográfica, econômica e demograficamente - em comparação com seus 12 vizinhos. É responsável por cerca de metade do PIB da região e faz fronteira com quase todos os outros países, exceto Equador e Chile. O tamanho do Brasil frequentemente cria desequilíbrios em iniciativas regionais das quais é coautor, incluindo o Mercosul (um bloco econômico criado em 1991 com Argentina, Uruguai e Paraguai) e a Unasul (uma organização política estabelecida em 2004 entre os governos de esquerda da região).

Além disso, em grande parte devido ao legado da Guerra Fria, a cooperação também tem sido difícil em uma região dividida entre governos de esquerda e de direita. Alguns acadêmicos apontam para uma contradição inerente entre a ênfase retórica em uma maior integração regional e o forte apego político da maioria dos países da região a uma compreensão rígida de soberania nacional. Tendo experimentado o colonialismo europeu e a interferência dos EUA, a região tende a exibir uma oposição rígida a intervenções militares.

No entanto, é preciso reconhecer uma evolução importante neste último ponto. Em 2004, o Brasil reformulou sua posição para uma de “não indiferença” a situações que ameaçam a paz e a segurança internacionais, o que justificou seu envolvimento na missão de estabilização da ONU no Haiti. E em 2011, sob a presidência de Dilma Rousseff - e em reação a uma intervenção liderada pela OTAN na Líbia - propôs o conceito de “responsabilidade ao proteger”, como um meio-termo entre os princípios de “não intervenção” e “responsabilidade ao proteger” que tornaria as intervenções de proteção a civis mais responsáveis e proporcionais.

Naquela época, o Brasil buscava se posicionar como um player internacional construtivo, capaz de se engajar em operações de paz. No entanto, a proposta de 2011 foi recebida com ceticismo internacionalmente, com muitos no Ocidente vendo-a como um meio de bloquear todas as intervenções. Hoje, a conversa anterior do Brasil sobre não indiferença aumenta as expectativas globais sobre o seu envolvimento na Venezuela e no Haiti.

De acordo com um dos nossos interlocutores, o Brasil age como se quisesse “ser um ator global, mas sem arcar com os custos da liderança regional”. Mas isso parece estar mudando lentamente. O esforço de Lula, embora frustrado, para reviver a Unasul depois que a organização praticamente desmoronou em 2019 por causa da inimizade partidária, é um exemplo da mudança. Apesar das dificuldades que enfrenta em agir como um construtor de consenso regional, o Brasil está começando a entender que precisa fazer esse esforço em certas questões, como a gestão de recursos naturais - especialmente considerando seu papel como anfitrião da COP30 em 2025.

Mas as tensões entre a Venezuela e a Guiana, juntamente com a nova fase da crise política da Venezuela - desencadeada pela eleição roubada de Nicolás Maduro no início deste ano - representam um grande teste para a influência regional do Brasil e, potencialmente, uma barreira às suas ambições de desempenhar um papel mais proeminente na manutenção da paz global.

Afastando-se de sua posição histórica e apesar da simpatia do Partido dos Trabalhadores pelo regime bolivariano de Caracas, Lula se absteve de aceitar a vitória de Maduro e, depois, o Brasil bloqueou a candidatura da Venezuela para se juntar ao BRICS. De acordo com alguns observadores, isso sinaliza uma “reorientação estratégica” na perspectiva de Lula sobre o papel regional do Brasil. Mas essa nova abordagem ainda precisa produzir resultados tangíveis para se tornar uma prática duradoura. Visto de fora, o tratamento dado pelo Brasil à crise venezuelana - onde Brasil, Colômbia e México instaram Maduro, sem sucesso, a publicar resultados eleitorais detalhados - expôs os limites do poder do país em seu próprio quintal. Na Assembleia Geral da ONU, Lula enfrentou críticas por não mencionar a Venezuela em seu discurso, perdendo assim outra oportunidade de demonstrar liderança regional. E à medida que a Rússia estende sua influência sobre a Venezuela e as tensões geopolíticas entre os EUA e a China atingem a região, o espaço de Brasília para a diplomacia regional pode encolher ainda mais.

Obstáculos no caminho do Brasil para a influência global

Muito alarde, poucos resultados

A diplomacia militante do Brasil como país não alinhado produziu resultados limitados para além da atenção que recebeu.

Embora seu desejo de mediar conflitos seja um meio de aumentar seu prestígio, o Brasil é frequentemente visto como carente da influência necessária em questões de segurança global de alto risco. Sua mediação frustrada entre o Irã e o Ocidente em 2010 - quando outros países, especialmente os EUA, não consideraram sua contribuição como útil ou mesmo confiável - destaca a tendência do Brasil de se estender demais. O mesmo pode ser dito sobre a guerra na Ucrânia, onde o Brasil inicialmente pressionou por negociações de paz, mas depois se recusou a participar da conferência de paz organizada pela Suíça. Ser parte do BRICS ao lado da Rússia e depender de importações de fertilizantes daquele país e exportações de alimentos e matérias-primas para a China limita a credibilidade do Brasil como um mediador honesto aos olhos dos ucranianos e da UE.

Outra área onde faltam resultados são as propostas do Brasil para reformar instituições multilaterais e a governança internacional. O Brasil continua a insistir em um assento no Conselho de Segurança da ONU, uma perspectiva improvável, como demonstrado pelas tentativas da Alemanha e de outros países. Esse caminho está completamente bloqueado por países com poder de veto, incluindo não apenas os EUA, mas também os parceiros do Brasil no BRICS, China e Rússia. A tentativa do Brasil de reformar as "agendas" da governança internacional - tornando os órgãos multilaterais, por exemplo, mais responsivos a questões como mudanças climáticas e inclusão social - é promissora, mas o Brasil deve demonstrar seu comprometimento em priorizar essa meta em detrimento das discussões intermináveis sobre garantir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. No mínimo, precisa mostrar que pode construir coalizões para apoiar esse objetivo.

Finalmente, o custo-benefício do relacionamento político mais próximo do Brasil com a China levanta questões importantes. Economicamente, o Brasil se beneficiou significativamente da expansão de seu comércio não apenas com a China, mas com toda a Ásia. No entanto, esse sucesso parece mais um reflexo da forte posição do Brasil como um produtor e exportador líder de várias commodities, especialmente minerais e produtos agrícolas, do que um resultado direto da filiação ao BRICS ou de uma reaproximação política com Pequim. Não há nenhuma razão inerente para que um crescente relacionamento econômico com a China exija qualquer alinhamento político importante. Pequim parece pragmática em suas negociações com a América Latina, buscando mercados abertos para seus produtos e acesso a commodities em vez de alianças diplomáticas sólidas. Alguns vizinhos do Brasil, como o Chile, demonstram essa separação, mantendo fortes relações econômicas com a China, apesar de visões diferentes sobre as principais questões de política externa, como Ucrânia e Venezuela.

Alguns dos nossos interlocutores brasileiros insistem que o atual “viés a favor da China” do país é motivado pela afinidade política do governo de esquerda com o regime chinês, e não por cálculos econômicos. No entanto, vistos de longe, fatores econômicos às vezes parecem pesar na política externa do Brasil. Isso foi visível sob Bolsonaro, quando a relutância do Brasil em condenar Putin por invadir a Ucrânia estava ligada, de acordo com o próprio presidente brasileiro, à dependência de seu país em fertilizantes russos. Ou quando a pressão do setor agrícola o forçou a rever sua abordagem em relação à China e Taiwan.

Isso levanta a questão sobre se o Brasil não está restringindo sua autonomia em questões de política externa que considera sensíveis à China - ou, inversamente, se seu alinhamento ideológico com a China na Ucrânia, Gaza e críticas à ordem mundial liderada pelo Ocidente são realmente benéficas para o Brasil. Por exemplo, o aparente alinhamento político do Brasil com a China, seja motivado pela economia ou não, impede o desenvolvimento de uma confiança profunda com a UE. Da perspectiva europeia, os brasileiros, que historicamente se orgulhavam de seu pragmatismo, atualmente parecem menos pragmáticos em sua abordagem tanto com relação à China quanto à Europa.

Contradições internas do ativismo diplomático brasileiro

O Brasil, como outras potências médias, concentrou sua diplomacia em aumentar a presença e o status internacionais. Para o Brasil, conseguir um assento à mesa e obter reconhecimento como potência média envolveu dois conjuntos de estratégias, correspondendo ao que o acadêmico Arnold Wolfers identificou como metas de “posse” e de “ambiente social”. As metas de posse são competitivos e buscam aumentar a influência internacional. As metas de ambiente social são cooperativos, visando apoiar bens públicos dos quais um país depende, como promover a paz e a segurança, o direito internacional ou as instituições internacionais. Esses dois conjuntos de metas podem ser complementares, mas também podem ser contraditórios. No caso da diplomacia militante do Brasil, essas tensões têm sido evidentes.

Por um lado, Brasília buscou reformar a atual ordem mundial, argumentando, não sem razão, que ela é injusta devido às assimetrias de poder, domínio ocidental, critérios duplos no direito internacional e uso da força, e atenção insuficiente ao fornecimento de bens públicos que beneficiariam o sul global. Este é um objetivo típico da meta do ambiente social. Ao enfatizar a cooperação sul-sul, a paz, a mediação e apoiar instituições internacionais mais inclusivas, como o G20, o Brasil deu voz às preocupações legítimas das nações pós-coloniais na América Latina, África e Ásia, ganhando assim influência como defensor de uma ordem internacional mais justa.

Paralelamente, as negociações do Brasil dentro do BRICS refletem uma prática muito clássica e realista de poder e diplomacia internacionais, que, devido à sua natureza de soma zero, corresponde a uma meta de posse muito típica.

No início, a Europa não percebeu o BRICS como um desafio direto ao sistema internacional e considerou que Lula, durante seu primeiro mandato como presidente, estava simplesmente buscando reconhecimento e um lugar à mesa. Naquela época, os membros do G7 reconheceram o valor da cooperação sul-sul e acreditaram que poderiam acomodar o BRICS por meio de diferentes estratégias, como comércio e cooperação para o desenvolvimento (muitos países da UE, afinal, acolheram e assinaram a Iniciativa Belt and Road).

No entanto, após a invasão da Ucrânia, que foi precedida por uma aliança “ilimitada” entre China e Rússia, Brasília não podia mais ignorar que a capacidade do BRICS de transformar positivamente as relações internacionais se tornou cada vez mais questionável. O Brasil prefere que o BRICS se atenha ao seu objetivo original de abrir a governança mundial a outros atores e dar voz aos maiores representantes do sul global; é por isso que ficou tão desconfortável com a ampliação do BRICS. Mas as pressões da China e da Rússia para transformá-lo em uma plataforma antiocidental talvez sejam impossíveis de travar.

O atual afastamento de Brasília das metas de ambiente social e a predominância de metas de posse é observado em sua diplomacia com relação à Ucrânia. Em suas negociações com a Rússia e a China, o Brasil falha em enfatizar o direito internacional em suas propostas. Enquanto o Itamaraty argumenta que criticar a Rússia frustraria seus esforços diplomáticos para obter um cessar-fogo e abrir negociações de paz, as declarações de Lula sobre a Ucrânia (semelhantes às de outros líderes regionais, como o presidente colombiano Gustavo Petro) mostram que o problema não é uma diferença de opiniões sobre os meios para negociar um acordo de paz (por exemplo, trazendo a China ou não). Em vez disso, o governo brasileiro discorda dos governos europeus ao ver a guerra na Ucrânia através de uma lente de "Leste vs Oeste", da Guerra Fria, em vez de focar no direito internacional e reconhecê-la como uma guerra colonial de agressão.

Em última análise, os problemas do Brasil em ajustar sua diplomacia militante têm a ver com a evolução da ordem mundial. Em um mundo multipolar, há amplo espaço para estratégias pragmáticas e alinhamentos flexíveis, permitindo que os países adotem, como nossos colegas argumentaram, estratégias "poliamorosas". Mas, à medida em que o mundo se encaminha para um confronto bipolar entre os EUA e a China - um acontecimento que a reeleição de Donald Trump só deve acelerar - outros países e outras dimensões políticas (como comércio, tecnologia e energia) são tragados para essa dicotomia. Nesse contexto, as margens de manobra para potências médias - não apenas o Brasil, mas também a UE - tendem a encolher. A diplomacia brasileira, que às vezes busca combater o domínio ocidental da ordem internacional (que, como muitas outras potências, corretamente via como em flutuando direção à unipolaridade), agora pode ter que reconhecer que a próxima ameaça a enfrentar é a bipolaridade. Para combatê-la, o Brasil pode precisar desenvolver um novo tipo de ativismo, não apenas com a UE, mas também com algumas das outras potências médias - agindo em conjunto por um multilateralismo renovado, ainda que mais realista e baseado no poder das potências.

Politização da política externa

Um último desafio às posições da política externa brasileira diz respeito ao papel da opinião pública - e da polarizada situação política interna de forma mais ampla.

Parece haver uma desconexão entre a idealização governamental das relações de aproximação do Brasil com a China e o sentimento público, o que indica que muitos brasileiros, se tivessem uma escolha, prefeririam laços mais estreitos com os EUA do que com a China em questões como direitos humanos, governança da Internet ou mesmo cooperação comercial - de acordo com a pesquisa de 2023 do ECFR. Isso, de certa forma, destaca uma oportunidade potencial para uma cooperação aprimorada entre o Brasil e o Ocidente - presumindo que os tomadores de decisão do Brasil ouvissem a opinião pública sobre questões tão abstratas como política externa.

Nas seguintes questões, você prefere que o Brasil esteja mais próximo dos Estados Unidos e seus parceiros, ou da China e seus parceiros?

O Brasil também tem uma classe média considerável com valores e aspirações ocidentais. Um alinhamento próximo com a China ou a Rússia ou ainda, um papel mais neutro na Venezuela, não ressoa com esse grupo demográfico. Uma pesquisa de opinião conduzida pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), em 2023, mostra que os brasileiros confiam mais nos EUA do que na China, e que os EUA inspiram mais confiança do que a China quando se trata de manter a paz mundial. Embora a política externa brasileira seja influenciada - e estabilizada - pela presença contínua de grupos de interesse econômico, agora parece que a opinião pública está emergindo como um novo fator da equação, talvez capaz de motivar o governo a ajustar seu curso geopolítico.

Das seguintes palavras, qual descreve melhor seus sentimentos em relação à China e aos Estados Unidos?
Qual dos seguintes países te inspira maior confiança na manutenção da paz no mundo?

Ao mesmo tempo, no entanto, na última década, o Brasil se tornou um país profundamente polarizado politicamente, com a política externa cada vez mais influenciada  por essa divisão - como fica evidente nas abordagens radicalmente diferentes de Lula e Bolsonaro em relação à guerra de Gaza, ou com os esforços iniciais de Bolsonaro para se afastar dos BRICS e se aproximar da América de Donald Trump.

Outras questões de política externa, como mudanças climáticas, políticas comerciais ou mesmo as relações com a China, correm o risco de cair nessa polarização também. Essa dinâmica corre o risco de minar o pragmatismo da política externa brasileira nos próximos anos, sujeitando-a ao pêndulo latino-americano, ao qual antes parecia ser relativamente imune.

Os últimos governos do Brasil — tanto lulistas quanto bolsonaristas — buscaram políticas externas que atendem mais às suas limitadas bases políticas do que à população em geral. Alguns analistas também sugerem que os desenvolvimentos demográficos e socioeconômicos no Brasil, como a crescente influência das igrejas evangélicas, apontam para uma virada estrutural para a direita. Isso pode diminuir o comprometimento do país com os BRICS, mas também sua dedicação à luta contra as mudanças climáticas, minando assim alguns dos princípios do atual posicionamento do país no cenário global. Ao mesmo tempo, isso também pode converter o Brasil — como Bolsonaro tentou durante o seu mandato — em um ator ativo na política conservadora regional, alinhando-se estreitamente com o establishment trumpiano dos EUA e se opondo à ordem internacional liberal (embora do lado oposto da China e da Rússia). Com a reeleição de Donald Trump, os bolsonaristas podem acreditar que seu retorno ao poder está ao seu alcance.

Conclusões

Desde 2007, a UE reconhece o Brasil como um “parceiro estratégico”, uma designação vaga que ambos os lados têm lutado para preencher com significado. Nesse meio tempo, o mundo mudou. Testemunhamos o estabelecimento do BRICS, o surgimento do G20 como um grande fórum de governança econômica global e a ascensão contínua da China, que agora se posiciona como séria concorrente dos EUA pela liderança global. Todos esses desenvolvimentos beneficiaram o Brasil — um parceiro econômico e político próximo da China, um membro do BRICS e do G20, e um país com credibilidade entre os países ocidentais e do sul global.

Enquanto isso, a participação da UE no PIB global continuou a diminuir; parceiros confiáveis para proteger uma ordem mundial baseada em regras tornaram-se cada vez mais escassos; os EUA, atolados em turbulência política doméstica e focados em uma rivalidade sistêmica com a China, tornaram-se menos confiáveis a esse respeito. Os europeus se encontram cada vez mais sozinhos em várias frentes, do clima ao comércio e políticas de segurança.

Dessa perspectiva, o Brasil se destaca como uma potência média que compartilha muitas das preocupações, objetivos e valores da UE, ao mesmo tempo em que tem atributos únicos que a UE não tem. Como tal, deve ser uma prioridade máxima para Bruxelas em termos de desenvolvimento de parcerias. De fato, informações confidenciais de 2023 sugerem que essa perspectiva é compartilhada pelas instituições da UE.

No entanto, para engajar o Brasil como parceiro na defesa do multilateralismo, os europeus precisam identificar áreas viáveis para colaboração, bem como maneiras concretas de fortalecer o relacionamento.

Um bom lugar para começar é reconhecer as diferenças estruturais que os predispõem a diferentes orientações na política global. Por exemplo, enquanto o Brasil está localizado longe de grandes conflitos, a Europa está cercada por guerras, o que a torna muito mais dependente dos EUA nas questões de segurança. Além disso, o Brasil é sub-representado em instituições multilaterais, enquanto a Europa desfruta de uma forte presença nelas; essa disparidade torna central para o Brasil a questão de ter voz ou influência, mas é subestimada da perspectiva europeia. O Brasil tem um chapéu ocidental e um chapéu sul global (e não quer ser percebido como estando completamente em nenhum desses campos), enquanto a Europa está firmemente no Ocidente (mesmo quando tenta se diferenciar da América). E, finalmente, o Brasil é pós e anticolonial, enquanto a credibilidade global da Europa continua manchada por seu legado colonial, impondo obstáculos em suas relações com o sul global.

À luz dessas diferenças, as similaridades entre a UE e o Brasil se tornam ainda mais proeminentes. Ambos dependem, por diferentes razões, de um sistema multilateral que funcione bem. Ambos estão sujeitos a pressões democráticas por uma política externa baseada em valores, mesmo que isso possa, às vezes, entrar em choque com pressões baseadas em interesses da indústria. Ambos exibem altos níveis de dependência econômica da China. E ambos estão atualmente buscando espaço para autonomia em meio à crescente rivalidade sistêmica EUA-China, defendendo valores progressistas em contraste com as ofertas de uma América ultraliberal ou de uma China repressiva.

A abordagem da Europa ao Brasil deve ser adaptada para reconhecer suas diferenças estruturais enquanto alavanca objetivos, valores e necessidades compartilhados. Os europeus precisam criar condições para sua relação econômica com o Brasil para beneficiar a parceria. Mesmo que não possam substituir a China como parceiro econômico, podem ser uma opção adicional valiosa, e vice-versa.

A Europa já é um grande investidor no Brasil, ao lado dos EUA. Mas a troca comercial entre os dois continua abaixo do potencial, e a saga das negociações UE-Mercosul exemplifica essa estagnação, que precisa ser superada.

Além deste acordo comercial, a Europa também deve incentivar o Brasil a retomar seus esforços para ingressar na OCDE. Este processo, iniciado em 2017 e ativamente perseguido pelo governo Bolsonaro, foi suspenso após o retorno de Lula. Se o Brasil se juntasse ao clube, isso favoreceria um relacionamento econômico e político mais próximo com a Europa. Mas as vantagens econômicas da filiação à OCDE precisam ser explicadas mais claramente ao Brasil e aos brasileiros.

A Europa deveria ver uma relação mais próxima com o Brasil como uma porta de entrada para o sul global e um meio de impulsionar sua própria credibilidade na América Latina e na África. A relação Brasil-UE poderia servir como base para atenuar os impactos dos confrontos mais radicais decorrentes da rivalidade em andamento entre a China e os Estados Unidos. Poderia fornecer uma influência estabilizadora nas relações internacionais.

Ao discutir a Ucrânia com o Brasil, os europeus devem defender suas posições de forma não moralizante. Em vez disso, eles devem enfatizar que, da perspectiva da Europa, esta guerra é existencial. A necessidade de defender o direito internacional também é do interesse do Brasil. No entanto, há limites para o que se pode esperar do Brasil, como o chanceler alemão, Olaf Scholz, aprendeu muito rapidamente quando tentou convencer Lula a vender tanques de defesa aérea e munições de fabricação alemã para ajudar no esforço de guerra ucraniano. Em vez de se exporem novamente a uma repreensão fácil, os europeus devem se envolver em uma troca honesta sobre o esforço de paz do Brasil - apontando seus resultados limitados e sugerindo maneiras pelas quais poderia ser mais bem-sucedido.

Os europeus devem mostrar seu apoio às ideias construtivas do Brasil sobre a reforma das “agendas” do multilateralismo como parte das discussões do G20. Eles também devem trabalhar em estreita colaboração com o Brasil em fóruns internacionais sobre desafios globais que ambos os lados priorizam, como ação climática e financiamento climático, especialmente com o Brasil sediando a COP30 em 2025. Essa colaboração também deve ajudar a proteger esses tópicos contra mudanças internas no Brasil.

Ao apoiar o papel do Brasil no G20, a UE pode efetivamente contrabalançar suas críticas ao endosso do Brasil à Declaração de Kazan dos BRICS - uma afirmação que alega fortalecer o “multilateralismo para o desenvolvimento e a segurança globais justos”, mesmo que a Rússia continue a representar uma ameaça significativa à segurança da Europa. É essencial que os europeus envolvam os brasileiros no reconhecimento de que essas declarações não são neutras nem inofensivas; em vez disso, elas ajudam a legitimar as ações agressivas da Rússia e revelam que o sul global também aplica dois pesos e duas medidas quando se trata do direito internacional e da segurança.

Em outras palavras, os europeus têm interesse em ver o Brasil se concentrar mais no G20 do que no BRICS - o que os brasileiros também podem concluir ser necessário, dada a direção que o último grupo está tomando.

Em última análise, os europeus precisam mostrar respeito pelas aspirações globais do Brasil. Só então eles poderiam realmente se envolver em discussões significativas com o Brasil sobre onde eles acham que seu envolvimento é inadequado (como na Ucrânia e na Venezuela), e criar uma verdadeira parceria, baseada no reconhecimento mútuo da necessidade e dos benefícios de trabalhar juntos.

Mas isso requer esforços de ambas as partes. Ao mesmo tempo em que precisam revisar sua abordagem com relação ao Brasil, os europeus precisarão convencer os tomadores de decisão brasileiros a atualizar sua abordagem com relação à Europa também. Do jeito que as coisas estão hoje, os tomadores de decisão não parecem reconhecer a UE como um parceiro de referência para promover um multilateralismo revitalizado ou uma visão da ordem mundial que se alinhe com os objetivos e desafios do país. E isso decorre não apenas das deficiências da Europa, mas também das próprias ilusões e equívocos do Brasil, como sua crença de que pode continuar usando a rivalidade EUA-China para seu benefício político e econômico. Além disso, os líderes brasileiros precisam reconhecer o quão prejudiciais foram para as relações bilaterais UE-Brasil suas mal-projetadas iniciativas de paz para a Ucrânia.

A Europa pode ter sido um parceiro secundário para o Brasil nas duas primeiras décadas do século XXI, que foram dominadas pela “ascensão do Resto”. Mas, à medida que o BRICS passa por uma grande transformação, a rivalidade EUA-China esquenta e o multilateralismo desmorona, a Europa tem cartas fortes para se posicionar como um parceiro muito importante do Brasil nas próximas décadas. No entanto, precisará respeitar as necessidades e aspirações do Brasil. Se quiser dançar com o Brasil, a Europa precisa, primeiro, aprender os passos do samba.

Sobre os autores

Carla Hobbs é a vice-diretora do programa European Power no European Council on Foreign Relations. Antes de ingressar no ECFR em 2018, Hobbs trabalhou no Serviço Europeu de Ação Externa como Oficial Política na Delegação da União Europeia no Chile e, anteriormente, como Profissional Júnior na Delegação da UE em Trinidad e Tobago.

José Ignacio Torreblanca é um pesquisador sênior de política no ECFR e chefe do escritório do ECFR em Madri. Ele também é professor de ciência política na Universidad Nacional de Educación a Distancia em Madri.

Pawel Zerka é um pesquisador sênior de política no European Council on Foreign Relations. Como analista líder em opinião pública, ele chefia as pesquisas de opinião e dados da organização sobre assuntos estrangeiros. Suas outras áreas de estudo incluem política comercial global, política latino-americana e o papel da Polônia e da França na UE.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer a Feliciano de Sá Guimarães, Rubens Ricupero e Eduardo Viola por terem revisado uma versão anterior deste artigo. Também somos gratos a diversos especialistas e formuladores de políticas do Brasil e de outros países latino-americanos que entrevistamos online em setembro de 2024. Dada a natureza extraoficial dessas conversas, não revelamos seus nomes.

Um artigo dessa magnitude é sempre resultado de trabalho em equipe. Os autores são particularmente gratos a Rafael Loss por fornecer feedback útil ao incompleto primeiro rascunho. José Juan Timermans Núñez foi de grande ajuda organizando as entrevistas e conduzindo pesquisa documental para o artigo. Taisa Sganzerla não foi apenas uma editora fantástica, mas também, como brasileira, uma interlocutora construtiva e muito necessária. Nossos agradecimentos também vão para Nastassia Zenovich pelo design gráfico, e para Jana Puglierin e Angela Mehrer por nos confiarem a desafiadora tarefa de criar este primeiro retrato sobre potências médias como parte de seu projeto promissor.

[1] Entrevistas online conduzidas pelos autores do artigo com especialistas e legisladores do Brasil e de outros países latino-americanos, setembro de 2024.

Este artigo faz parte do Re:Order e foi possível graças ao apoio da Stiftung Mercator, mas não representa necessariamente as opiniões do mesmo.

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