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Primeira cúpula europeia pós-pandemia discute ajuda de R$ 4,5 trilhões

Desavenças ligadas à governança do fundo e ao Estado de direito dividem o bloco e ameaçam travar acordo
A premier belga Sophie Wilmes, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Macron e Merkel no início da primeira cúpula europeia pós-pandemia Foto: STEPHANIE LECOCQ / AFP
A premier belga Sophie Wilmes, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Macron e Merkel no início da primeira cúpula europeia pós-pandemia Foto: STEPHANIE LECOCQ / AFP

Depois de meses de reuniões por videoconferência , presidentes e primeiro-ministros europeus se encontrarão pessoalmente em Bruxelas nesta sexta-feira e neste sábado. No centro da agenda da cúpula estão a proposta de um fundo de € 750 bilhões (R$ 4,55 trilhões) para ajudar os países mais atingidos pelo coronavírus e o orçamento de € 1 trilhão (R$ 6,07 trilhões) do bloco para os próximos sete anos (2021-2027), assuntos intimamente ligados, que motivam desentendimentos entre nações do Sul e do Norte.

Há várias discordâncias dentro da União Europeia ligadas à governança do fundo e ao Estado de direito, e há chances altas de um acordo não ser alcançado neste fim de semana. Com apoio da Finlândia, os chamados quatro frugais — Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia —, austeros e ricos, pressionam para vincular o fundo a reformas econômicas e às maneiras como os países irão gerir os recursos, além de pretenderem reduzir o orçamento plurianual.  Estes países também desejam associar o auxílio a mecanismos de manutenção da democracia em nações beneficiadas.

As condições levantam objeções, por motivos diferentes, em países do Sul, como Espanha e Itália, e do Leste, como Hungria e Polônia. Os países latinos pretendem ter acesso aos recursos sem que haja cláusulas ligadas à sua economia, enquanto Budapeste informou que, caso o bloco tente vincular os recursos a condicionantes democráticas, irá vetar o fundo, que precisa do endosso dos 27 países do bloco para ser aprovado. A Polônia,  por sua vez, disse que não aceitará cláusulas ligadas ao meio ambiente.

Para atrair apoio de países do Norte, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que presidirá a cúpula, propôs na última sexta-feira a redução do orçamento plurianual de  €1,1 trilhão para € 1,07 trilhão, sem, contudo, alterar o montante do fundo de ajuda.

— É importante ser ambicioso com um fundo de recuperação que acontecerá uma vez e é excepcional — afirmou Michel.

A proposta de um fundo de apoio aos países mais afetados foi apresentada em maio por Alemanha e França, e pouco depois a Comissão Europeia anunciou um plano de ação para viabilizar a proposta. O pacote sugerido é composto por diversas iniciativas, sendo a principal delas um fundo de € 560 bilhões (R$ 3,39 trilhões) a serem distribuídos às economias mais atingidas como subsídios e pagos por todos os países como parte do orçamento comum do bloco, constituindo uma mutualização da dívida.

O grupo dos países austeros atualmente tem a liderança informal da Holanda, após a Alemanha, que costumava capitanear estas nações, assumir recentemente uma postura de maior neutralidade. Os países se opõem às subvenções, e defendem que as concessões ocorram por meio de empréstimos. Pretendem, igualmente, que o investimento dos recursos seja vinculado a critérios definidos pelo bloco e a reformas.

O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, disse ao Parlamento em Haia na terça-feira que “não estava estava esperançoso” quanto a um acordo, afirmando que bloquearia as negociações se os países não aceitassem mudanças em suas economias.

— Nós também estamos passando por um momento difícil. Mas estamos superando, porque fizemos reservas para quando houvesse um dia de chuva — afirmou Rutte. — È necessário encontrar o equilíbrio. Não estou seguro quanto a isso.

Michel, do Conselho Europeu, ressaltou que era essencial incluir subvenções e não apenas empréstimos no pacote para não sobrecarregar países já muito endividados. Pela sua proposta, 70% dos recursos seriam distribuídos em 2021 e 2022, e o resto até 2026, quando os recursos começariam a ser pagos.

Itália e Espanha, os dois países que receberiam mais recursos (€ 81 bilhões e € 77 bilhões, respectivamente), dizem que precisam de uma solução logo, e temem que outra cúpula seja necessária para se chegar a um acordo.

— Se atrasarmos a resposta, atrasamos também a recuperação, e a crise pode piorar. Todos temos que fazer alguns sacrifícios para alcançar um acordo — disse o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.

Viktor Orbán, o premier húngaro que tomou medidas para minar a universidade, a imprensa, a sociedade civil e o Judiciário, por sua vez, disse que vetaria o pacote caso houvesse qualquer cláusula vinculada ao Estado de direito.

— Qualquer tentativa de ligar o Estado de direito ao acordo inevitavelmente irá se tornar uma disputa política. Caso os dois se confundam, não haverá retomada da economia nem orçamento — ele disse ao Parlamento húngaro.

Há de se prestar atenção ainda no papel que Angela Merkel, líder do país mais poderoso do bloco, irá exercer durante a reunião. Emmanuel Macron, líder da França, tem postura alinhada aos países do Sul.

Segundo Pawel Zerka, especialista em assuntos europeus do Conselho Europeu de Relações Internacionais (ECRFR), em Paris, é possível que “países do Sul abram mão de demandas ligadas ao Estado de direito para conseguir alcançar o acordo o mais rápido possível”. Nesta semana, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, encontrou-se com Orbán em Budapeste, e afirmou após o encontro que as  violações do Estado de direito feitas pelo governo húngaro não devem ser uma condicionante na atribuição de fundos aos Estados-membros.

Zerka disse que isto pode despertar reações de líderes do Norte, que consideram mais fácil “explicar a seus cidadão por que estão ajudando espanhóis e italianos em apuros por causa da Covid-19 do que poloneses e húngaros que são notórios violadores do Estado de direito e não sofreram tanto”.

O internacionalista também disse que a governança dos fundos "é o aspecto mais dificil da agenda", e que, por conta dela, acredita que "nenhum acordo deve ser anunciado no sábado":

— A Holanda pensa que, já que estão pagando tanto, ao menos devem ter controle de como o dinheiro será gasto. Mas isto seria um grande salto rumo à federalização da Europa, e alguns consideram interferência sobre a soberania nacional — afirmou Zerka. — É necessário algum caminho do meio. Um freio de emergência é uma solução considerada. Neste caso, qualquer governo poderia pedir uma reunião se considerar que outro país não está fazendo o bastante em termos de reformas nacionais.